sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013





Carta aos quinze

Por onde tenho andado e sempre distante, fecho os olhos para vê-la num universo amplo, inimaginável, tentando o conhecimento da causa de pensar. Mas, não chega a ser um pensamento abstrato, mesmo não tendo como conhecer a fonte. Imagino o reflexo do meu estro vagueando por essa fonte que também não sabe me decifrar.

Não somos, porém, criaturas analíticas, apesar de sermos de carne e osso. Porque somos, antes de tudo, almas que se libram àquela distância inevitável, quase que inconscientemente. O sofrimento, este audaz companheiro inseparável da tristeza, parece até condoer-se de nós diante do amor inexplicável que une os espíritos vinculados antes do nascimento do corpo.

A relação humana, contudo, cria obstáculos a manifestação desses sentimentos, tornando-nos máquinas de viver. Não é este, certamente, o melhor caminho. Proponho, assim, uma reflexão sobre a natureza de nós ambos, sobre a nossa capacidade de amar, sobretudo. O amor é sempre assim inexplicável. O seu oposto – o ódio – também não poderia deixar de sê-lo. São sentimentos, paixões, emoções, coordenadas a partir de uma reflexão, que é o ato de pensar.

As sensações vêm e devemos refleti-las, analisa-las, mesmo, como no seu caso, com a pouca idade, a fase de eloquente e pretensa liberdade, de oposições, até de revoltas. Mas, é ao mesmo tempo uma fase de fantasias, de sonhos e de prazeres, cuja repetição não se dará na fase adulta. O confronto desses sentimentos é que traz o equilíbrio ao sentimento humano. Tem-se amor e se define como dirigi-lo. Basta ter coragem para fazê-lo, amiúde, com a vontade do coração. Para isso não há regras, não há ditames, não há formas: há amor. E se o amor existe, existe vida e sabedoria. Não há caminho mais eficaz ao conhecimento que o amor, pai de todos os sentimentos nobres.

Com amor, há condescendência salutar à remição dos erros, há o carreiro da verdade, da fé, da solidariedade. Não saberá falar de amor aquele que cultua o ódio, pois só se fala daquilo que se conhece. Eu, nesse sentido, cultuo o amor, mesmo que pareça ser da maneira mais ambígua, amorfa, displicente.

Amo, por assim dizer, a sua paz, porque a quero apaziguada; amo a sua ternura, porque a quero terna e meiga; amo a sua beleza, porque a vejo e sinto bela; amo a sua certeza, porque é a minha certeza; amo o seu erro, porque é reflexo do meu erro; amo a sua tristeza, porque ser triste é contentamento quando essa tristeza o amor encerra (significa); amo essa existência à qual dei causa espiritual e amo o universo desse ser que procuro decifrar pensando.

Por isso, viajo às minhas entranhas para expiar-me e ser merecedor dos laços que nos unem, involuntários.

Há, pois, um tanto de mim em cada gesto inconsciente dessa menina que você representa. Há um tanto de mim, odiento, em seus erros e, satisfatório nos acertos. Há um tanto de mim Na sua saudade, no seu sarcasmo, até no eventual ódio. Mas há mais de mim em seu afeto e mais um tanto de mim na sua solidão. Esse tanto de mim que lhe castiga refere-se ao inevitável laço da ideia, do espírito, da voz uníssona num mundo fora de nós corpóreos: porque somos alma, energia, que se cruzam.

Somos, assim, inevitáveis. Amo do jeito que sei amar; e, e por esse amor, hei de reafirmá-lo a cada dia, talvez porque morresse, se houvesse, nesse coração e nessa cabeça, um tanto de mim no esquecimento.
(Pássaro Ausente)

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