Carta aos quinze
Por onde tenho andado e sempre
distante, fecho os olhos para vê-la num universo amplo, inimaginável, tentando
o conhecimento da causa de pensar. Mas, não chega a ser um pensamento abstrato,
mesmo não tendo como conhecer a fonte. Imagino o reflexo do meu estro vagueando
por essa fonte que também não sabe me decifrar.
Não somos, porém, criaturas
analíticas, apesar de sermos de carne e osso. Porque somos, antes de tudo,
almas que se libram àquela distância inevitável, quase que inconscientemente. O
sofrimento, este audaz companheiro inseparável da tristeza, parece até
condoer-se de nós diante do amor inexplicável que une os espíritos vinculados
antes do nascimento do corpo.
A relação humana, contudo, cria
obstáculos a manifestação desses sentimentos, tornando-nos máquinas de viver.
Não é este, certamente, o melhor caminho. Proponho, assim, uma reflexão sobre a
natureza de nós ambos, sobre a nossa capacidade de amar, sobretudo. O amor é
sempre assim inexplicável. O seu oposto – o ódio – também não poderia deixar de
sê-lo. São sentimentos, paixões, emoções, coordenadas a partir de uma reflexão,
que é o ato de pensar.
As sensações vêm e devemos
refleti-las, analisa-las, mesmo, como no seu caso, com a pouca idade, a fase de
eloquente e pretensa liberdade, de oposições, até de revoltas. Mas, é ao mesmo
tempo uma fase de fantasias, de sonhos e de prazeres, cuja repetição não se
dará na fase adulta. O confronto desses sentimentos é que traz o equilíbrio ao
sentimento humano. Tem-se amor e se define como dirigi-lo. Basta ter coragem
para fazê-lo, amiúde, com a vontade do coração. Para isso não há regras, não há
ditames, não há formas: há amor. E se o amor existe, existe vida e sabedoria.
Não há caminho mais eficaz ao conhecimento que o amor, pai de todos os
sentimentos nobres.
Com amor, há condescendência
salutar à remição dos erros, há o carreiro da verdade, da fé, da solidariedade.
Não saberá falar de amor aquele que cultua o ódio, pois só se fala daquilo que
se conhece. Eu, nesse sentido, cultuo o amor, mesmo que pareça ser da maneira
mais ambígua, amorfa, displicente.
Amo, por assim dizer, a sua paz,
porque a quero apaziguada; amo a sua ternura, porque a quero terna e meiga; amo
a sua beleza, porque a vejo e sinto bela; amo a sua certeza, porque é a minha
certeza; amo o seu erro, porque é reflexo do meu erro; amo a sua tristeza,
porque ser triste é contentamento quando essa tristeza o amor encerra
(significa); amo essa existência à qual dei causa espiritual e amo o universo
desse ser que procuro decifrar pensando.
Por isso, viajo às minhas
entranhas para expiar-me e ser merecedor dos laços que nos unem, involuntários.
Há, pois, um tanto de mim em cada
gesto inconsciente dessa menina que você representa. Há um tanto de mim,
odiento, em seus erros e, satisfatório nos acertos. Há um tanto de mim Na sua
saudade, no seu sarcasmo, até no eventual ódio. Mas há mais de mim em seu afeto
e mais um tanto de mim na sua solidão. Esse tanto de mim que lhe castiga
refere-se ao inevitável laço da ideia, do espírito, da voz uníssona num mundo
fora de nós corpóreos: porque somos alma, energia, que se cruzam.
Somos, assim, inevitáveis. Amo do
jeito que sei amar; e, e por esse amor, hei de reafirmá-lo a cada dia, talvez
porque morresse, se houvesse, nesse coração e nessa cabeça, um tanto de mim no
esquecimento.
(Pássaro Ausente)
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