
Jesus é imensurável fonte de alegrias. Algumas vezes, porém, encontramos na literatura espírita relato de Emanuel afirmando que Ele sofreu (vide Fonte Viva, mensagem "solidão") e também Joana de Ângelis menciona em "Atitudes Renovadas" que tantas vezes ele chorou contemplando a loucura humana. O Seu amor por nós é tão imenso e profundo, que transforma nossas vidas a cada instante, quando permitimos que Sua divina presença se perpetue em nossos corações. E por esta razão, é digno de nosso sincero agradecimento e adoração. Na pergunta n. 659 em O livro dos espíritos, Kardec pergunta: "Qual caráter geral da prece?" E os espíritos prelecionam: "A prece é um ato de adoração".
Há, em algumas manifestações religiosas, certa fusão na figura de Deus e Jesus, com a associação dos dois conceitos, e ainda a figura do espírito santo, dando ensejo a existência de uma santíssima trindade composta por: Pai, Filho e Espírito Santo. Na minha compreensão, o que ora é dito quando se afirma que Jesus representa a forma humana de Deus, é que Ele simboliza a presença dos atributos de Filho de Deus desenvolvidos em sua pessoa quando encarnado. E Sua pureza, indica que está imbuído do espírito santo, isto é, o Seu ser encontra-se em sintonia com a harmonia universal.
[1]
Vejo mais como uma simbologia do que propriamente a convicção de que Deus e Jesus seriam a mesma coisa. Ora, se fomos criados simples e ignorantes, mas com uma centelha divina capaz de nos aperfeiçoar a cada vida, é o mesmo que dizer que formos criados a imagem e semelhança de Deus. Para mim, o que realmente difere é a linguagem, uma questão de ponto de vista e interpretação.
Ademais, em "O que é o espiritismo?", Kardec aduz "Crede, pois, em tudo que vos aprouver, mesmo na existência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom, humano e caridoso para com os vossos semelhantes. O espiritismo, como doutrina moral, só impõe uma coisa: a necessidade de fazer o bem e evitar o mal. É uma ciência de observação que, repito, tem consequências morais, que são a confirmação e a prova dos grandes princípios da religião; quanto às questões secundárias, ele as abandona à consciência de cada um." (grifos meus)
[2]Como forma de respeitar as diversas manifestações religiosas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88), preleciona em seu artigo 5º, inciso VI, que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.
Considerando as ponderações de Kardec, que, convicto das revelações feitas pela doutrina espírita à época, e imbuído de espírito de fraternidade e tolerância, afirmou que o mais importante é que as religiões conduzam ao caminho do bem, urgente que é a nossa transformação moral.
Não me parece, pois, adequado considerar que outras crenças sejam vãs, se essa visão é tão somente pautada na diferença entre as religiões, nas diferenças de rituais, de costumes e crenças, entre outras, seja com base na Doutrina Espírita seja com base nos ditames da Carta de 1988.
O senso crítico deve ter como objeto averiguar se se persegue o caminho do bem, conforme os ensinamentos do Cristo, pois é a prática do bem a única conduta sugerida que tem caráter de imponência. No entanto, lamentavelmente, a liberdade de crença, assegurada constitucionalmente e salvaguardada pela Doutrina do Cristo, ainda encontra espaço nos sarcasmos humanos, nas piaditas infelizes sobre os modos de expressar a religiosidade de cada um. Verifica-se no dia a dia, o comentário inoportuno sobre o “aleluia” de uns e sobre o “sinal da cruz” de outros.
Cumpre alertar, portanto, aos amigos de ideal, que a tolerância religiosa deve fazer parte da conduta da pessoa em transformação interior, em seus mais inócuos comportamentos e gestos, pois aprender a lidar com as diferenças faz parte do exercício para eliminar o orgulho ainda presente em nós. O desprezo pela crença alheia nada mais revela do que nosso primitivismo moral e uma imaginária sensação de superioridade, muitas vezes inconsciente, demonstrando que ainda não aceitamos a todos como irmãos, independentemente das escolhas que fazemos.
A esse respeito, a Bíblia Sagrada em I João, 2:11 diz que “aquele que aborrece a seu irmão está em trevas e anda em trevas e não sabe para onde deva ir, porque as trevas lhe cegaram os olhos”. Emanuel, comentando a passagem reproduzida através da mensagem “Na ausência do amor”, em Fonte Viva, aduz que “se não sabes cultivar a verdadeira fraternidade, serás atacado fatalmente pelo pessimismo, tanto quanto a terra seca sofrerá o acúmulo de pó”. E complementa o caridoso orientador: “Tudo incomoda àquele que se recolhe à intransigência. Os companheiros que fogem às tarefas do amor são profundamente tristes pelo fel da intolerância com que se alimentam.”
Cumpre-nos, pois, refletir sobre a mensagem deixada por Emanuel, certamente pautada em sua experiência de reforma íntima, que conclui: “aprendamos a viver com todos, tolerando para que sejamos tolerados, ajudando para que sejamos ajudados, e o amor nos fará viver, prestimosos e otimistas, no clima luminoso em que a luta e o trabalho são benção de esperança”.
Trabalhemos, então, por nosso aprimoramento moral, deixando de lado aquilo que Kardec chamou de “questões secundárias”, de modo a abrir espaço em nossos corações para o convívio saudável com a diferença.
[1] Ver pergunta 112, em O Livro dos Espíritos.
[2] Ver a obra “O que é o espiritismo?”, p. 134.