
Nenhuma ditadura sobreviveu. Nenhuma ditadura sobreviverá. O desejo humano pela liberdade sempre se sobreporá à pequenez dos falsos líderes, daqueles que acreditam que a melhor forma de gerenciar é impondo ideias, tolhendo a capacidade inata de cada um de elaborar percepções.
Mas, sim, algumas ditaduras ainda vigoram, a do consumismo desmedido, a do corpo desenhado, a supervalorização da juventude, ou melhor, da depreciação da velhice. A ditadura da corrupção e da imoralidade, que se reflete na represália covarde daqueles que defendem os princípios constitucionais e o ordenamento jurídico. A ditadura do silêncio, que cerceia tacitamente a falar sobre o que ninguém quer falar por medo, medo e vergonha de si mesmo.
A ditadura militar não é mais do nosso tempo. Já era. Pertence a uma outra época. Passou. Ela foi a grande responsável pelo esforço coletivo em concretizar o direito de contradizer, de argumentar, de participar, de reunir, de expressar, de escrever, de cantar, de dizer, de votar. Uma vez conquistados tais direitos, o processo histórico volta-se para a conquista de outros que venham a complementar o exercício da dignidade humana.
Há sim, certo saudosismo presente na fala e na postura daqueles que não sabem falar de democracia e direitos humanos sem olvidar daquele governo ditador. Há sim extemporaneidade no discurso pretérito sobre épocas que, como já disse, não sobreviveram, nem nunca sobreviverão. Pois, há muito o que se falar do tempo em que estamos. Todavia, deixa-se de costurar os novos caminhos da história, com novos debates, novas divergências, novas argumentações, para paralisar noutra era, para se alimentar de um ponto de partida ultrapassado.
Enquanto isso, a modernidade medieval dos direitos sociais, culturais e econômicos desbotam cada vez mais nos semblantes preocupados com o porvir de um tempo que já foi. Não que não seja importante rediscutir a história, mas é que a ditadura militar dificilmente sai da pauta da discussão dos direitos humanos para dar espaço para temáticas futuristas. É, porque tá tão difícil falar sobre educação, saúde, direitos trabalhistas, moradia, proteção à maternidade e à infância, que estes já viraram temas pertencentes às sociedades de outros planetas.