
Sempre apreciei a solidão. Contemplar o silêncio. Ter que dialogar comigo apenas. Ficar sem fazer absolutamente nada, a não ser percebe-me individual. Ouço uns passarinhos, faceiros, rodeando a casa, uma ambulância ao longe, uns ruídos da televisão, o sopro do vento.
Mas, o que ouço, e que sutilmente suaviza o cansaço rotineiro, são vozes que emanam de mim, como luzes renascentes. São pensamentos que pululam como brotos germinando na primavera. Nos últimos dias, especialmente, tenho apreciado ficar terrivelmente sozinha.
Outro dia tive a impressão de que as pessoas, amontoadas, se perdem em grupos, convertem-se num todo, pois não se contentam em ser apenas uma pequena parte ou simplesmente não conseguem. Aí, o espaço para a diferença encurta, e todos acabam se homogeneizando involuntariamente para completar a harmonia do conjunto, uns cientes outros nem tanto. De alguma forma deve parecer bom perder-se no todo, pois é como um alucinógeno: perpetua-se num estado de profundo torpor.
Então, no emaranhado social, pouco a pouco elaboramos e reelaboramos histórias que inspiram uns a transformar a realidade em cinema romântico-realista. Estranho isso! Enquanto uns gostariam de viver a vida de glamour hollywoodiano dos atores e atrizes, estes se comprazem em encenar a vida comum. No final das contas, ninguém foge à regra de querer a qualquer custo escapar da própria condição humana de existir social e individualmente.
Copiam-se artisticamente os dias que se sucedem harmonicamente, numa previsibilidade irritante. Encontram-se fatos e atos que se entrechocam continuamente, originando um enredo. Mas, o que faz uma história interessante não são os fatos objetivamente observados, é a confusão entre as subjetividades controversas. E então assim o tempo alia-se a nós ora como cúmplice ora como testemunha ocular de nosso cotidiano. E passa. E quanto menos atento se está para o tempo, mais ousado em sua velocidade ele é. A verdade é que tudo finda, por mais constante que seja a periodicidade da existência.
Tenho andado objetivamente bem: vigor físico, lar, família, trabalho.
Tenho andado subjetivamente controversa.
obs: O quadro é de Tarsila do Amaral -> "Os Operários" - 1933
obs: O quadro é de Tarsila do Amaral -> "Os Operários" - 1933